A dor do outro e a nossa obediência
Imagem mostra como foi conduzido o experimento Milgram: autoridade é mais forte que convicções morais
Há 50 anos, o psicólogo social Stanley Milgram mostrava o quanto estamos
dispostos a cometer ações atrozes sob o mando de uma autoridade
Alessandro Greco - colunista do iG
Imagem mostra como foi conduzido o experimento Milgram: autoridade é mais forte que convicções morais
Há 50 anos, o psicólogo social americano Stanley Milgram publicou um
artigo que chocou o mundo. Intitulado “ Behavioral Study of Obedience ”,
o texto descrevia como 40 homens haviam participado de uma pesquisa e
aplicado choques quase mortais em completos desconhecidos apenas porque
um “cientista” – que eles também não conheciam – dava ordens para que
fossem sempre em frente.
O que aparentava ser uma sessão de tortura era, em verdade, um
experimento científico com o objetivo de entender até que ponto uma
pessoa comum, sem traços violentos, seria capaz de cometer atrocidades
sob mando de uma autoridade (o “cientista”).
Os choques eram de mentira e os que recebiam o choque estavam,
juntamente com os “cientistas”, a serviço do experimento. Apenas os que
aplicavam os choques não sabiam o que se passava. Os resultados foram
absolutamente surpreendentes. Dos 40 participantes, 26 (65%) aplicaram a
carga máxima em seus choques (450 volts), apesar de suas "vítimas"
terem implorado para que parassem. O experimento foi replicado diversas
vezes e o número se manteve por volta de 65%, inclusive em testes em
outros países
Antes de fazer o experimento Milgram fez uma pesquisa com alunos de
Psicologia da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, onde era
professor assistente. Nela, perguntou a 14 deles qual o choque máximo
que seria dado em um experimento com 100 pessoas. A média das respostas
foi que apenas 1,2% chegariam a 450 volts – ou seja, 1 em cada 100.
Milgram fez ainda o mesmo com psiquiatras de uma escola de medicina. O
resultado: apenas 3,73% daria um choque acima de 300 volts e um número
ínfimo, cerca de 0,1%, chegaria ao valor máximo de 450 volts.
A hipótese de Milgram era de que uma pessoa submetida à pressão da
autoridade tem a tendência de simplesmente obedecer. “As pessoas
aprendem desde crianças que é uma falha moral grave machucar alguém
contra a vontade. Mesmo assim, 26 delas abandonaram este princípio ao
seguir as instruções de uma autoridade que não tinha nenhum poder
especial para fazer com que suas ordens fossem seguidas.
Desobedecê-la não traria nenhum dano material para estas pessoas, não
haveria nenhuma punição. Ficou claro pelos comentários e comportamento
de muitas dessas pessoas [que deram os choques] que ao punir as vítimas
elas estavam agindo contra seus valores. Elas expressaram frequentemente
uma desaprovação profunda em dar choques em um homem apesar das suas
reclamações e outras delataram a estupidez e a falta de sentido neste
ato. Mesmo assim a maioria seguiu as ordens”, afirmou Milgram no
artigo.
A complexidade dos resultados obtidos por Milgram pode ser vista muito
na vida diária e, em especial, em situações limite como a que viveu o
mundo durante a Segunda Guerra Mundial. Nela, as atrocidades cometidas
em nome da obediência a um líder durante o período nazista resultaram em
alguns dos maiores crimes contra a humanidade.
Mas a questão não é a obediência em si, mas o que se faz com ela (ou em
nome de que ela é utilizada). “...não se deve pensar que todos os atos
de obediência contenha atos de agressividade contra outros. A obediência
serve a inúmeras funções produtivas. Na verdade, a vida em sociedade é
baseada en sua existência. A obediência pode enobrecer e ser educativa e
estar ligada a atos de caridade e bondade assim como de destruição”,
afirma Milgram no artigo.
Talvez o maior valor do experimento de Milgram esteja no fato de ele ter
feito emergir um debate fundamental sobre a condição humana: o quanto
nossos valores pessoais realmente guiam nossas atitudes no mundo real
quando estamos sob o mando de uma “autoridade”. Afinal, na vida, na
maior parte do tempo há uma “autoridade” acima de nós – seja no campo
pessoal, profissional ou espiritual. Cabe a cada um de nós perguntar: o
que eu faço com isso?
*Alessandro
Barros Greco é jornalista e engenheiro mecânico pela POLI-USP. Escreve
sobre ciência desde 1998. Acredita que falar sobre ela ajuda as pessoas a
viver melhor. Foi o terceiro brasileiro a receber a bolsa Knight
Science Journalism Fellowship do Massachusetts Institute of Technology
(MIT).